O panorama econômico mundial é uma trama complexa que afeta diretamente o nosso cotidiano. Além dos interesses comerciais e geopolíticos, há movimentos estratégicos que vão além dos lucros individuais e empresariais.
A economia dos Estados Unidos, por exemplo, tem exibido uma notável resiliência. Mesmo com a taxa de juros subindo de praticamente zero para mais de 5%, o mercado de trabalho norte-americano continua surpreendendo.
O recente relatório governamental de março revelou a criação de 303 mil novos empregos, superando a expectativa de apenas 200 mil. Os salários anuais aumentaram em 4,1%, com ganhos reais após considerar a inflação, tudo isso enquanto as taxas de juros se mantêm elevadas em comparação a anos anteriores.
No entanto, a inflação também tem apresentado sinais preocupantes, diante do CPI (Índice de Preços ao Consumidor) subindo para 3,5% ao ano (a.a.) no mês passado, após marcar 3,2% em fevereiro, número atribuído, em parte, à volatilidade dos preços de energia e ao persistente aumento nos custos de aluguéis e financiamentos imobiliários.
Adicionalmente, os dados de vendas no varejo superaram as previsões, crescendo 0,7% em março, em relação à expectativa de mercado de 0,4%. Em fevereiro, esse número foi revisado para um aumento de 0,9%. O gasto no varejo aumentou consistentemente em sete dos últimos dez meses até março.
Esse cenário apresenta um dilema evidente para o Federal Reserve (FED), o banco central do país, que pode adiar a redução dos juros para além de 2025. Inicialmente, muitos esperavam uma redução já no início deste ano, mas parte do mercado, agora, projeta postergação.
Por outro lado, a China continua enfrentando desafios na economia (até mesmo para os próprios padrões). Apesar de ter divulgado crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5,3% no primeiro trimestre, ligeiramente acima da meta estabelecida, o resultado ainda representa um desempenho aquém do observado nas últimas décadas. Além disso, os gastos no varejo permanecem fracos, com alta de 4,7%, modesta para um país que esperava forte recuperação, especialmente considerando a demanda global por produtos chineses.
A fraqueza persistente é atribuída ao setor imobiliário, cujo investimento, nos três primeiros meses do ano, caiu 9,5%, agravando a tendência de queda observada até fevereiro (-9%). O segmento continua em declínio, com retornos marginais negativos do investimento.
Vale ressaltar que políticas fiscais ou monetárias têm pouca influência aqui, uma vez que estamos lidando com o principal motor de poupança do povo chinês, que se sente cada vez mais restringido financeiramente.
Mas como essas conjunturas podem afetar o Brasil? São duas forças agindo em direções opostas. Enquanto a China, em decorrência do enfraquecimento do consumo interno, busca aumentar a participação no mercado internacional, o que pode gerar declínio nos preços em termos globais (exportação de deflação), os Estados Unidos, com juros mais altos, dificultam a redução da taxa pelo Banco Central (Bacen) brasileiro.
Isso ocorre porque a diferença entre as taxas de ambos os países pode diminuir significativamente, criando condições para uma saída de dólares e a desvalorização da moeda local.
Em média, as condições se anulam, deixando ao Bacen um cuidado maior com a economia interna. No entanto, paradoxalmente, mesmo com números inflacionários favoráveis, o governo confirma que não alcançará um déficit zero em 2024, piorando os contextos fiscal e cambial.
Se o primeiro estivesse em situação mais favorável, o Bacen teria mais margem para reduzir os juros. Embora ainda possamos testemunhar mais cortes, a realidade atual, infelizmente, limita esse potencial.